Senhores do Caminho da Mão Esquerda
Por Stephen E. Flowers. Lords of the Left-Hand Path, Capítulo 4. Tradução de Ícaro Aron Soares.
Chamar os Yezidis de seita islâmica pode ou não ser correto. No entanto, provavelmente faz mais sentido discuti-los dentro do meio cultural do Islam. Chamá-los de “adoradores do diabo”, o que tem sido feito com tanta frequência, [41] também pode ou não ser correto. No entanto, eles têm sido chamados assim com tanta frequência que uma discussão sobre suas crenças no contexto do Caminho da Mão Esquerda parece necessária.
Os Yezidis são um povo curdo. O curdo é um dialeto do ramo iraniano da família indo-europeia de línguas. Eles não são, portanto, parte da população árabe genérica que os cercou em sua terra natal, que fica dentro e ao redor do vale de Lalish, perto das fontes dos rios Tigre e Eufrates, na parte norte do Iraque moderno. As evidências da religião Yezidi datam apenas do século XIV. Sua tradição peculiar pode ser o resultado de antigos princípios pré-islâmicos sendo enxertados na terminologia religiosa islâmica, ou pode constituir uma criação original.
Historicamente, os Yezidis traçam a origem de sua fé ao sheikh Adi ibn Musafir, que veio para o vale de Lalish, do vale de Baalbek no Líbano, via Bagdá. Por volta do ano 1100, ele estava em Bagdá, onde foi associado a vários sufis, incluindo Ayn al-Qozat Hamadani. Entre os curdos de Lalish, ele fundou uma ordem que era exteriormente ortodoxa, mas que secretamente venerava Melek Taus: o Iblis de al-Hallaj.
A palavra “Yezidi” é provavelmente derivada da palavra persa yaz(a)d-, “ser supremo”, que faz parte da terminologia zoroastrista. O termo era usado como pejorativo pelos muçulmanos xiitas da Pérsia, para quem significava essencialmente “pagão” ou “infiel”. [42]
Na doutrina Yezidi, a “Primeira Causa” ou Deus (Khuda) criou o cosmos por meio da agência de sete anjos. O primeiro entre eles, Azaziel ou Asa'el, recusou-se a se curvar diante de Adão (o homem) que havia sido criado diretamente por Khuda sozinho. Uma das razões para sua recusa, a propósito, pode ser que Azaziel fosse formado do fogo, enquanto Adão foi formado do barro — o anjo se recusou a se curvar a um ser inferior. [43] No entanto, Khuda posteriormente perdoou Azaziel, que, portanto, não é o espírito do mal que os não iniciados o fazem ser. Os Yezidis consideram o nome Shaitan (Satan) como um insulto a Azaziel e se recusam a usar o termo. Se for usado por outros em sua presença, a retribuição é exigida.
O nome Azaziel também é raramente ouvido entre eles. Foi amplamente substituído por um cognome, Melek Taus: “o Anjo Pavão”. Os Yezidis confiam em Melek Taus e pedem seu conhecimento especial e proteção. Eles acreditam que o Dia do Julgamento está em um futuro remoto e que os fiéis vivem através de ciclos de reencarnação (uma crença também compartilhada com outras Seitas Ismaelitas, incluindo os Drusos). Para os Yezidis, o mal é um fato da vida natural e não o trabalho de um ser sobrenatural. O papel de Melek Taus na “queda” do homem não é o de um tentador: ele é reverenciado como o bravo provedor do conhecimento necessário para a humanidade sobreviver.
Um dos livros sagrados Yezidi, chamado Kitab el-Aswad, em árabe, ou Mas' haf Rish, em curdo, (ambos significando “O Livro Negro”), conta que Deus criou Adão (apenas o homem) e o colocou no Paraíso, mas o proibiu de comer trigo. Depois de cem anos, Melek Taus pergunta a Deus por que Adão não cresceu ou se multiplicou. Deus responde dando ao Anjo Pavão autoridade administrativa no mundo. Melek Taus então instrui Adão a ir contra a proibição de Deus e comer do grão. O Anjo Pavão então expulsa Adão do paraíso. Só mais tarde a mulher é criada (de baixo da axila esquerda de Adão), e a humanidade é capaz de crescer. [44] Aqui o papel positivo e evolutivo de Melek Taus é claro.
Como esse papel positivo e evolutivo se reflete na vida espiritual dos indivíduos é demonstrado pelas palavras de um poema do próprio sheikh Adi:
Eu sou Adi de Shams (Damasco), filho de Musafir
No segredo do meu conhecimento não há deus além de mim...
Louvado seja eu mesmo, e todas as coisas existem por minha vontade.
E o universo é iluminado por alguns dos meus dons. [45].
Com os Yezidis e Ismaelitas, assim como com tantas outras tradições aparentemente do Caminho da Mão Esquerda, o objetivo essencialmente de mão esquerda—a existência imortal e independente do eu em um estado quase divino — não é claro, exceto nos níveis mais altos de iniciação ou no nível de liderança. É provavelmente por essa razão que os líderes e ex-líderes dessas seitas parecem ser “adorados”. Eles são de fato vistos como espíritos pioneiros que trilharam o caminho antes do aspirante e, portanto, servem como modelos exemplares. É interessante notar que um dos santuários, ou imagens reais, do Anjo Pavão (sanjak), na região Yezidi é dito ser dedicado a Mansur al-Hallaj, o sufi persa e aparente praticante do Caminho da Mão Esquerda executado em 922. [46]
Parece que a Tradição Yezidi é o resultado de um sincretismo das crenças curdas nativas (provavelmente seitas iranianas não zoroastristas), do dualismo iraniano, dos ensinamentos sufistas do sheikh Adi, da interpretação de Iblis por Al-Hallaj e talvez do Cristianismo Nestoriano. [47] Essa síntese pode, no entanto, ser apenas superficial e talvez os valores e estruturas subjacentes à crença Yezidi permaneçam essencialmente antigos costumes curdos. Isso é até mesmo aludido em outro dos livros sagrados Yezidi, o Kitab al-Jilwa (IV): “As escrituras de estrangeiros são aceitas por mim (Melek Taus) na medida em que estão de acordo com minhas ordenanças e não vão contra elas.” [48]
É curioso notar que virtualmente todos os traços do Caminho da Mão Esquerda presentes na corrente cultural islâmica parecem fluir, em última análise, do mundo iraniano, sejam os Sufis Heréticos, os Ismaelitas ou mesmo os Yazidis Curdos. Eu especularia que a razão para isso é que as ideias do Caminho da Mão Esquerda eram comuns (mesmo que eternamente controversas) no mundo pré-islâmico e que esses anseios do espírito humano de atingir um estado independente, imortal e desperto não podiam ser eliminados inteiramente — mesmo pela tradição vigorosamente do Caminho da Mão Direita do Caminho da “Submissão”.
Notas de Fim
41. Por exemplo, por Daraul, A History of Secret Societies, 141–55; e LaVey, The Satanic Rituals, 151–72.
42. Guest, The Yezidis: A Study in Survival, 31.
43. Wilson, Sacred Drift, 87.
44. Veja o Black Book, traduzido por Guest, Yezidis, 203.
45. Wilson, Sacred Drift, 92.
46. Guest, Yezidis, 40–41; e Wilson, Sacred Drift, 45.
48. Guest, Yezidis, 201–2.
47. Walker, Gnosticism, 74–75.
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