O Grande Solvente
"Quem sou eu?" é a pergunta mágica que dissolve todas as coisas na Luz Clara do Vazio. Ela dispersa as estruturas do pensamento conceitual e deixa em seu lugar a Grande Paz que nenhuma palavra pode descrever.
Tal fórmula poderosa para a dispersão instantânea de preocupações e ansiedades deve ser considerada por todos como um grande bálsamo e um poderoso elixir para aliviar as inquietações e acalmar os medos que são os inevitáveis concomitantes de nossa existência marcada pelo ego e pela dualidade. A pergunta "Quem sou eu?", feita com determinação e foco absoluto, expulsa todos os pensamentos da mente, e é na ausência de pensamento que se sente a presença sutil e luminosa da Realidade Inconcebível, que é livre de todas as limitações impostas pela mente humana.
Em termos inequívocos, Bhagavan Sri Ramana nos deu a certeza de que Atmavichara é a melhor e mais elevada forma de Sadhana, e que é completamente livre de toda a mente. Somos ainda assegurados de que, uma vez que o poder da indagação tenha penetrado a um certo nível, ele continua em regiões que transcendem nosso controle consciente. Toda a Busca visa à ruptura ou dissolução do nó da ignorância que nos faz identificar-nos com o funcionamento de nossas mentes.
Para o devoto, o fato de Atmavichara ser o Grande Solvente; o fato de que tal foi declarado inequivocamente pelo próprio Bhagavan, é suficiente para libertar o Aspirante de todas as dúvidas. perplexidades que devem tê-lo assolado e engolfado anteriormente. Então, o que nos impede e nos faz hesitar no uso livre desta tremenda arma de dissolução, este certo condutor de Bem-aventurança? Provavelmente, é porque Atmauichara atinge instantaneamente a raiz de todos os nossos problemas, que repentinamente evaporam diante de nossos olhos, por assim dizer, deixando-nos vagamente conscientes da possibilidade da aniquilação súbita e irrevogável do mundo que conhecemos. E é este mero vazio que, para aqueles que o confundem (pelo menos intelectualmente) com a Luz Clara do Vazio, os faz temer e incompreender, e portanto odiar, esta última. Pois este vazio, como o próprio Espaço, é ilusório e é um mero conceito mental – o conceito de uma vacuidade quase total. Bhagavan disse a um aspirante que havia alcançado este estado para prosseguir com a Busca e perguntar: "A quem pertence o vazio?" É somente quando a consciência se fixa mais uma vez firmemente no interior, e Identificado com a Testemunha, e não mais autorizado a vagar aleatoriamente neste vazio, o medo é contido e o estágio da incerteza é devidamente transcendido.
Muito além desta experiência inicial, encontra-se a verdadeira e perfeita experiência do Vazio, que é o Oceano de Bem-Aventurança no qual Atmauichara – como o Grande Solvente – mergulha silenciosamente a mente purificada; ou, em outras palavras, o Ego, rastreado até sua origem, funde-se com essa Fonte que é infinita, bem-aventurada e desprovida de qualquer pensamento.
É difícil, talvez, em meras palavras, tentar esboçar, ainda que vagamente, o vasto significado desta dissolução inefável; contudo, devemos nos esforçar para levar a mente aos seus limites extremos até que ela busque, tênue e fervorosamente, aquilo que permita vislumbrar as imensas possibilidades latentes mesmo na limitada consciência da arena da mente. É claro que é totalmente impossível pensar em um estado ou região que seja desprovido de todos os atributos, qualidades e assim por diante; e Por isso, diz-se que Atmavichara é a única abordagem puramente não mental para a Bem-aventurança atemporal e sem espaço do Vazio. Pois, de alguma forma, a pergunta "A quem tudo isso ocorre?" etc., desvia as atividades mentais e dispara seus dardos velozes na própria região da pura consciência que jaz, aguardando como um lago tranquilo de pureza e silêncio absolutos, para declarar sua continuidade em termos de Consciência infragmentária e ilimitada. Uma vez que nós, na forma do Ego, nos aproximamos desse lago plácido, não vemos nenhum reflexo da forma externa ou interna enquanto nos inclinamos e contemplamos a superfície brilhante de sua luminosidade espelhada; pois ali tudo é vazio, e nós que nos aproximamos dele, naquele momento e por aquela resolução, também estamos vazios de tudo o que antes supúnhamos ser nossos pequenos e ilusórios eus.
O Verdadeiro Eu não é algo positivo, nem algo negativo. É desprovido de atributos positivos ou negativos; não é nenhum dos dois. Contudo, não se pode sequer dizer que seja esse "Nem um nem outro". O Eu é desprovido de todo conceito que o ego possa lhe atribuir, mas isso não significa que seja impossível apreendê-lo por aquela vasta parte de nossa natureza que se encontra fora, além, ou — melhor ainda — atrás, do pequeno ego pulsante que, a princípio, imaginamos constituir todo o nosso ser. E para melhor compreendermos isso, basta lembrar que, mesmo no estado de Sushupati, não deixamos de existir, embora a mente e suas criações estejam em total suspensão. É, diz-nos Bhagavan, porque erroneamente identificamos o Eu com a mente e suas inúmeras criações, ou pensamentos, que não participamos conscientemente da bem-aventurança de Sushupati com todo o nosso ser. Se pudéssemos rejeitar cada pensamento à medida que surge, fundindo-nos e permanecendo firmemente no substrato infinito de onde todos os pensamentos se originam, perceberíamos a Luz Clara do Vazio que brilha como o Ser de Tudo, sem mente e repleto de bem-aventurança.
E para esse fim – o único fim verdadeiro, se é que se pode chamar de fim – o Grande Solvente (Atmavichara) deve ser empregado incessantemente por cada um de nós durante todas as nossas horas de vigília, para que, no devido tempo, mesmo no sono onírico e no próprio sono, essa sutil busca persista até que o Ser seja realizado. Nada mais importa, pois tudo o mais é ilusório e apenas adia o momento de nossa sincera resolução de iniciar a busca que pode rasgar os véus do ft!faya diante dos olhos do Ser e realizá-lo em sua plenitude e bem-aventurança perene. "Quem sou eu?" não suscita resposta alguma do domínio da mente ou do ego, porque a mente e o ego não existem na Realidade, onde tudo é desprovido de forma e desprovido de pensamento conceitual.
O Chamado Divino, Bombaim, novembro de 1953.
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